O jornalista Daniel Oliveira lançou esta terça-feira, dia 30 de junho, uma mensagem que terminou em tom de pergunta, que na sua opinião, todos nós devemos colocar a nós próprios, acerca da pandemia que se abateu sobre o mundo.
Uma pergunta difícil, que ninguém parece querer fazer, mas que na opinião de Daniel Oliveira, vamos ter mesmo de fazer…
Pode optar por ouvir, ou ler o que disse o jornalista, mais abaixo:
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“A semana passada António Guterres disse que num cenário otimista, em que os países desenvolvidos coordenassem as suas respostas, talvez fosse possível conter o vírus, e impedir uma segunda onda. Isso salvaria os países mais pobres, e garantiria um regresso à normalidade daqui a 2 ou 3 anos.
Num cenário pessimista, o vírus chegaria em força ao hemisfério sul, e teríamos uma importante segunda onda. As consequências económicas e para a saúde pública poderiam durar 5 a 7 anos.
Olhando para a descoordenação internacional, até dentro da União Europeia, parece-me o cenário mais provável.
Mas não vale a pena pormo-nos a adivinhar, não sabemos se haverá vacina, se a infeção garante uma forte imunidade. Não sabemos quanto tempo isto vai durar. Pode durar muitos anos, e a pergunta difícil é ninguém pode ainda responder, mas parece-me é que muito poucos querem fazer, é ‘até onde estamos dispostos a ir?’.
Falemos apenas de alguns efeitos, do prolongar daquilo a que chamamos – como quem deseja ser engenheiro das almas – de ‘novo normal’.
- Imaginem a evolução das outras doenças, perante uma sociedade mais sedentária, isolada e com medo, e como responderá o SNS, obcessivamente focado num único vírus, e cada vez mais fragilizado pela falta de recursos, que a crise económica provocará.
- Imaginem o crescimento exponencial de problemas mentais, em pessoas saudáveis ou já com patologias, em muitos casos com desfechos trágicos.
- Imaginem a qualidade de vida dos mais velhos, ainda mais isolados do mundo e das suas famílias.
- Imaginem os efeitos emocionais, sociais e políticos, do prolongamento do clima de medo, alimentado durante os próximos anos pelas autoridades da comunicação social.
- Imaginem os efeitos de uma crise económica que se pode tornar interminável e destrutiva de todo o nosso modo de vida.
- Imaginem os efeitos políticos do prolongamento da limitação das liberdades cívicas, da sua aceitação acrítica e da arbitrariedade como modo normal de funcionamento do estado.
- Imaginem como a vigilância, que a tecnologia já facilitava, pode passar a ser a forma normal do poder político e económico de lidar com os cidadãos.
- Imaginem os efeitos que terá o teletrabalho como forma definitiva de funcionamento das empresas, com os trabalhadores sem redes de solidariedade entre eles, ainda mais indefesos perante os abusos do seu patrão.
- Imaginem o que fará o isolamento social às pessoas mais pobres e vulneráveis.
- Imaginem as vítimas de vi0lência doméstica, os a1co0licos, os toxic0dependentes, todos abandonados.
- Imaginem milhões de adolescentes e crianças, a crescerem com níveis de socialização muitíssimo baixos, que efeitos irreparáveis isto pode ter no seu desenvolvimento psíquico-social.
Ponho a pergunta de forma brutal às pessoas da minha geração: ‘temos o direito de destruir assim, a vida dos nossos filhos? E temos o direito de deixar os pobres ainda mais pobres, os excluídos ainda mais excluídos, os doentes ainda mais doentes, em nome da nossa vida?’
Não tenho respostas para estas perguntas. Elas são dolorosas, e podem levar a conclusões cruéis, mas temos mesmo de começar a fazê-las. Somos mortais, e temos de saber viver com isso. Muitas pessoas morreram para conquistar o que temos hoje, a democracia, a liberdade e a prosperidade.
‘Estamos dispostos a atirar tudo para o lixo, para sobrevivermos? Isso seria generosidade, ou egoísmo?’. Não sei responder a nada disto, apenas me assusta ver tanta gente demasiado concentrada no seu próprio medo para fazer a pergunta mais difícil:
‘E se isto durar muito tempo?'”